Os Guardiões - Fogo nas Vestes: Capítulo 1
Os Guardiões - Fogo nas Vestes: Capítulo 2
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
Capítulo 2
Capítulo 2
Meu Closet é Uma Base Militar da Terceira Guerra Mundial
Peguei o ônibus de
número 204 para ir até essa tal rua, onde morava Amanda. Acho que ela iria me
contar que era uma bruxa, ou que me convidaria para ser sua amiga. O que eu
recusaria, com certeza. Não sabia também porque estava indo para lá, sendo que
não havia motivo nenhum. Até parecia um filme daqueles mal feitos. Peguei o
celular e coloquei na Minha Seleção e
começou a tocar meus preferidos. Rock nacional. Adoro. Fechei os olhos, e
acompanhei o ritmo da música. O cobrador do ônibus cutucou meu ombro.
- Seu ponto é o
próximo.
Sim, eu pedi a ele
para me dizer onde eu deveria descer para a Rua da Casa do Protetor. Eu sempre
fui meio amiguinha deles. Sabe, eles são boas pessoas, e eu fico conversando
com eles para afastar o medo de andar de ônibus sozinha. Desci no próximo ponto
de ônibus. Sim, era uma casa bem estranha.
A rua era deserta.
Não havia mais ninguém andando por elas. Nenhuma outra casa. Somente uma cabana
feita de madeira. Era um tanto pequena. E parecia uma cabana de veraneio. A
janela estava aberta, e os degraus rangiam. E o cheiro de enxofre era forte.
Era como se aquela casa fosse inabitada por muito tempo. Então, um barulho
muito parecido com uma labareda. E era uma labareda. Assim que entrei na casa,
vi o fogo subindo. Corri para a porta e bati nela por uma eternidade. Puxei a
maçaneta e até a quebrei, mas a porta não se abriu. O lugar estava se
consumindo pelo fogo muito rápido. Por algum motivo, eu não sentia o calor
dele. As janelas estavam fechadas, como se estivessem emperradas. O que não
estavam á alguns segundos atrás. Fiquei certa de que Amanda era um demônio ou
coisa do tipo. Encolhi-me numa parede e escondi o rosto nos joelhos. Abracei-os
e comecei a chorar. Não queria morrer. Não sem antes dar adeus ao meu pai. Bom,
para ele até seria melhor eu ir embora mesmo. Seria um fardo a menos.
Fiquei a soluçar e a
repetir para mim mesma “Eu não vou morrer, eu não vou morrer”, mas eu sabia meu
único destino. A não ser por algum milagre, eu nunca sairia viva daquela
situação. Para quem não sabe como é saber como vai ser sua morte, e quando vai
morrer, ao pode dizer que já passou pelo verdadeiro terror. Senti uma coisa me
puxando. Ótimo, adeus vida, a Dona Morte está me tirando do me corpo. Mas não.
Eu senti uma mão muito, muito fria segurar meu braço e me puxar o mais rápido
possível. Tropecei várias vezes nos móveis que eram consumidos pelo fogo. O
chão já estava coberto pelo fogo. Admirava-me muito que meus sapatos, nem os
sapatos de Amanda se desmancharam ou ficaram chamuscados. Quando saímos pela
porta dos fundos, após termos atravessado a cozinha e o banheiro, ela se deitou
no chão e começou a contar até 10.
- Eu não acredito que
eles fizeram isso! – ela gritou para o céu. E por algum motivo, um pingo de
água caiu em sua testa. Ela rangeu os dentes e guspiu no chão seco.
- M-mas... – minha
voz quase sumia em meio a minha garganta raspada. – A-a-amanda! – falei quase
não acreditando. Aquela era uma menina muito estranha. – O que houve?
Ela ficou em silêncio
por algum momento, e então se sentou no chão, como eu, e começou a explicar e
usar as mãos, como sempre faz quando conversa com alguém. Eu definitivamente
não entendo essas pessoas que falam movimentando a mão. Parece que estão
fazendo alguma magia ou algo do tipo. Bom, em Amanda não parecia tão estranho
assim.
- Você é louca! – ela
afirmou – Você é muito louca! Você ficou numa casa pegando fogo!
- O que? M-mas... A
porta não abria... Eu iria morrer queimada se não fosse você. Amanda me conta o
que está acontecendo... – pedi.
- Ahn...
Aliss... Ah, eu não posso. – ela
confessou. – Mas você está indo no caminho certo. Talvez você seja ela. Por
favor, que seja. Já cansei de procurar-te. – ela respirou fundo. – Venha. Temos
que te apresentar a um homem que poderá dizer se você é realmente que nós
pretendemos que seja.
A única coisa que
pude soltar foi:
- O que? Te seguir de
novo? Só pra entrar em outra casa pegando fogo e morrer carbonizada? Não,
obrigada...
Amanda piscou e abriu
um pequeno sorriso de dentes um pouco irregulares e um aparelho com
borrachinhas na cor do céu, ou do mar. Era uma mistura de verde e azul. O que
me dava uma impressão de que eu nunca havia notado que a maioria das coisas que
Amanda tem ou faz usam essas cores. Azul céu e verde mar. Ela se levantou e
limpou o pó de sua calça.
- Vamos, - chamou
novamente – Ou vai querer esperar o próximo ônibus daqui meia hora nesse Sol?
Neguei com a cabeça,
e ela confirmou. Começou a andar para dentro da casa, que agora parecia normal.
Não havia nada de errado nela. Não havia fogo, nem nenhum indício de que mais
cedo houve um incêndio. O que me deu ainda mais medo de Amanda. Ela agia como
se aquela não fosse a coisa mais interessante da casa. Ela entrou pelas portas
dos fundos. Todos os móveis estavam intactos, como se ninguém houvesse limpado
a casa a muito tempo. Amanda entrou no banheiro. E aperto a descarga. O vaso se
moveu imediatamente. E um buraco apareceu. Amanda olhou para mim, e depois
pulou para dentro do buraco. Ela estava mesmo escorregando num tobogã pelo
esgoto? O que mais eu poderia fazer? Vai que aquela casa começava a pegar fogo
novamente? Então, decidi seguir Amanda. E pulei dentro do buraco. A primeira
coisa que percebi, foram as paredes. Elas eram como metal. E escorregadio.
Cheio de voltas e mudanças na velocidade. Até chegar ao fim, onde eu caí com
tudo no chão, não esperando o final do escorregador.
- A última vez que
desci por um escorregador foi na primeira série. – comentei meio zonza pela
nossa viajem nada agradável ao meu intestino.
Amanda não estava lá.
A sala estava vazia. Uma sala cheia de maquinas e alta tecnologia. No alto de
um pilar estava o nome “Bianquine”, em outro pilar o nome “Virgínnio” e em
outro, bem na frente da sala, com o nome “Sant’Anna”. Espera, Sant’Anna era o sobrenome
de Amanda. Onde eu estava? O que eram aqueles pilares, e o que eles
representavam. Ao lado do pilar de Amanda estava um com o sobrenome “Joe”. Ele
era decorado com desenhos de fogo e chamas, labaredas e outras coisas desse
jeito. O pilar era em mármore da cor bronze e os desenhos eram em dourado e vermelho,
com alguns detalhes em preto. O de Amanda era cheio de ondas e conchas, algas e
estrelas do mar. Todos pareciam nadar em volta do pilar. Percebi que as chamas
do meu pilar pareciam vivas, e tremeluzia em volta do pilar. O de Amanda era
azulado e tinha ondas esverdeadas. O terceiro pilar, com sobrenome “Bianquine”
era negro, e tinha traços de marrom e verde grama. Era o menos chamativo dali.
O quarto era de sobrenome “Virgínnio”, com uma cor mais puxada para o mel, e alguns
animais andando por ele, em forma de desenhos. Como macacos e até leões. O quinto
e último era branco, e os desenhos eram quase invisíveis nele. Uma massa de ar
rodava em torno desse pilar e o sobrenome “Marquez” estava em cima. Os desenhos
eram em prata. Representavam o vento e alguns flocos de gelo sendo levados por
esse vento. Todos os desenhos de todos os pilares se mexiam. Como se tivessem
vida.
- É ela, Tio Marley.
– Amanda falou atrás de mim.
Virei-me. Um homem
com barba comprida e ruiva me observava coçando o queixo. Aquele não parecia
nem um pouco com Amanda, para ela o chamar de tio. Mas vá entender a família.
Os cabelos do homem também eram ruivos, como os meus. Os olhos eram verdes e
grandes por trás de seus óculos. Sua roupa era meio estranha para mim, mas se
encaixa com ambiente. Ele usava um
jaleco branco, e por baixo do jaleco um suspensório e uma camisa verde, com o
desenho de um jacaré, Lacoste.
- Parece bem com o
Protetor original... – o velho concordou. – Tem os mesmos cabelos e... – ele
pareceu contar quantas sardas eu tinha – doze sardas, exatamente o números de
sardas do Protetor do Fogo. Bom trabalho, Amanda. – o velho se virou para
Amanda e colocou a mão em seu ombro – Estou orgulhoso de você, filha.
Espera, mas eles não
eram tio e sobrinha. O homem se afastou e começou a mexer com alguns papeis e
uma máquina que mais parecia um mega-hiper-computador.
- Legal Tio Marley
gosta de mim. Isso vai melhorar minhas aulas...
- Mas ele é se tio ou
seu pai? – perguntei altamente confusa.
- Meu pai. E... meu
tio. Bem, o Tio Marley foi quem juntou as células para me formar, entende? –
ela revirou os olhos – Claro que você não entende! Acabou de chegar na
Fraternidade!
- Frater...
Fratern... Fratern-O que? – perguntei.
- Fraternidade. – ela
corrigiu – O lugar onde estamos. Ele é onde nós passaremos nossa vida e
desenvolveremos nossos dons para proteger o mundo! – ela exclamou como se fosse
uma criança feliz dentro de um conto de fadas. O que eu me sentia.
Acho que estava
estampado na minha testa “Não entendendo nada”, pois Amanda revirou os olhos,
como é seu estranho costume, e começou sua explicação movimentando as mãos.
- Nós somos da
Fraternidade, uma comunidade de cientistas que fazem de tudo para proteger e
ajudar o mundo. Mas nem todos estão cooperando. Há muito tempo atrás, diziam
ter existido cinco guardiões. O guardião da terra, do mar, do fogo, do ar, e
dos animais. Eles cooperavam para ajudar o planeta a não se estragar. Eles eram
chamados de Protetores. Mas há muito tempo eles se perderam. E por isso, os
cientistas resolveram testar, para ver se esse mito realmente era verdade. E
olhemos nós aqui! Eu sou Protetora do Mar, por isso não me queimei naquela
casa. Você é a Protetora do Fogo, o elemento mais delicado. Por isso também não
se queimou na casa, em meio ao incêndio. O fogo na verdade foi um teste que Tio
Marley organizou para testar sua resistência e se você realmente era uma
guardiã.
- Então quer dizer
que, se eu não fosse uma guardiã, ele iria me matar?
- Com certeza. Eu
poderia até ter ido te ajudar, mas o fogo pelo caminho da porta aberta te
consumiria antes que chegássemos até ela.
- Então... Eu sou...
Tipo... Uma mutante?
- Vamos encarar isso
como algo legal, como... Uma menina com dons especiais. Nós estaremos seguros
aqui. Desenvolveremos nossos poderes e aprenderemos como fazê-los. Eu, por
exemplo, já estou aprendendo a fazer água doce. – exibida como sempre, essa era
Amanda Sant’Anna. Mas de um jeito diferente.
- Posso perguntar o
que esses postes com nossos sobrenomes estão fazendo aqui?
- Como os cientistas
não sabiam como poderiam nos encontrar, eles marcaram pilares com o sobrenome
de cada um. O meu, por exemplo, é o que tem “Sant’Anna” escrito. Ele foi
decorado por meu pai. Tio Marley. Seu pai também decorou o seu. Embora eu não
saiba como ele colocou o fogo sem se queimar.
- Então... Meu pai
também é um mutante?
- Olhe, eu já disse
que nós não somos mutantes! E seu pai não é um “mutante”. Ele é um cientista da
Fraternidade. À uma hora dessas, deve estar supervisionando alguma experiência
para e ajudar a desenvolver seus poderes. Os cientistas fundadores da
Fraternidade doaram seus Gametas para nos formar. Assim como seu pai doou o
dele, Tio Marley também doou, e me formou. Eu não sou filha dele. Mas podemos dizer que somos da mesma família. Assim
como eu e você.
- Então, quem é minha
mãe? – perguntei.
- Sua mãe com certeza
é uma substância explosiva e delicada que deve desenvolver a reação do fogo, ou
seja, ela não existe.- falou com um jeito de esnobação, o que eu sabia como
fazê-la pagar.
- E você é filha de
um Plâncton, não? – sorri. Logicamente, Amanda não levou na brincadeira.
Ela endureceu o rosto
e eu vi de suas mãos cerradas sair água. A água escorreu pelos seus dedos e
caiu no chão deixando um barulho irritante.
- Eu vou apagar seu
fogo rapidinho, Senhorita Joe. – ela grunhiu.
- Espera, foi
brincadeira! – sorri, tentando mostrar que estava brincando.
Ela sorriu de volta e
a água que escorria de seus punhos parou. Ela estava menos vermelha e com um
brilho azulado nos olhos.
- Eu também estava
brincando, bobinha! Mesmo que sejamos o mais diferente possível... Você ainda é
minha amiguinha, não?
- Acho que sim... –
respondi com medo de seu sorriso.
Ela se espreguiçou e encostou-se
em seu pilar, a água que girava em volta dele mudou o percurso. E evitava onde
Amanda encostava. Eu não culparia a água se ela estivesse com medo de Amanda.
Olhei para meu pilar. Ele era o mais alto. O mais grosso era o meu vizinho, que
deveria simbolizar a Terra, já que era marrom e cheio de vida e grama. O menor
era o dos animais. O normal era o de Amanda, e o do Vento quase parecia
desaparece em seu lugar, como se ele se misturasse com o ambiente.
- Amanhã iremos para o
Sul, Tio Marley previu uma forte chuva se aproximando. E acho que isso é um bom
sinal. – ela falou, como se comentasse isso para si mesma, e assumiu uma
expressão de dúvida.
- O que foi? –
perguntei.
- Ahn, nada. Bom, é
que eu nunca saí realmente para treinar. E... Eu tenho medo de destruir algo,
ou... Coisa pior...
- Mas sou eu quem tem
que ficar com medo, não? Eu sou fogo, sou eu quem destrói tudo.
- Você pode ter
razão, mas... Não quero causar outro desastre, como no Paraná...
- O que aconteceu no
Paraná?
- Nada! Só...
Professor Marley achou que eu estava pronta, mas errou. Agora... Eu vou me recolher.
– falou erguendo sua mão para o pilar em que encostava, e uma porta se abriu
instantaneamente. Quando Amanda entrou, a porta se fechou atrás dela e
desapareceu. Olhei para meu pilar. Será que havia alguma coisa de especial
nele? Uma porta invisível ou alguma coisa desse jeito. Uma senha secreta.
Talvez. Mas ninguém havia contado nada. Andei em volta dele, para ver se havia
alguma porta. Mas era só um pilar de mármore. Aproximei-me. Coloquei a mão
perto das chamas que corriam em volta do pilar. Elas se dissiparam. Ergui a mão
e o fogo se dissipou novamente. Uma porta de vidro apareceu. Eu não sabia por
que o vidro não se quebrava. O fogo deveria estar muito quente. Embora eu não
pudesse senti-lo em minha pele. A porta de vidro se abriu, e da porta eu pude
ver um quarto em cores quentes. Como vermelho, laranja e bronze. Entrei. A
porta de vidro se fechou atrás de mim e desapareceu. Tive medo de estar sobre
aprisionamento. Ou algo do tipo. Virei-me de frente para meu quarto. O quarto
parecia estar recém-reformado, pois o cheiro de tinta fresca era evidente. E eu
definitivamente amava aquele cheiro. A tintura era um borrão de vermelho vivo,
laranja Sol e bronze dourado. O carpete era marrom. Não havia janelas ou sequer
um sistema de tubulação de ar. Mas o ar do quarto era suave e fresco, como se
houvesse um ar condicionado escondido por ai. A cama era a coisa mais deliciosa
que eu já havia me deitado. As colchas eram macias e fofas. Acho que eram as
únicas coisas do quarto que não tinham as cores em tons quentes. Ela era
branca. E felpuda. As almofadas eram macias e fofinhas. Com alguns desenhos
como águias. Como eles sabiam que meu animal preferido são águias? O que mais
me surpreendeu foi o frigobar. Cheio de Coca-Cola, a coisa que eu mais amo na
vida. Na cabeceira da minha cama estavam chocolates. Mas não simples
chocolates, eram chocolates da marca que eu mais gostava. Quando meu pai
comprou essa marca, quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, eu quase pulei em
cima dele, pois era a minha primeira barra de chocolate, e como nunca fomos
muito ricos, minha única. Mas se meu pai era um cientista que podia formar uma
humana, como eu, a partir de espermatozóides e substâncias do fogo, ele não
deveria ganhar somente um salário mínimo! Em meu bolso algo incomodou, enquanto
eu estava deitada. Enfiei a mão lá dentro e procurei o que incomodava tanto. Um
broche. Mas não só um broche, ele era no formato de uma espada. Uma espada reta
e pontiaguda, com dois gumes e um cabo dourado. O broche não fazia muito meu
estilo, quando acabei de pensar nisso, uma corrente saiu de repente do broche,
e ele já não era mais um broche. Era um colar. Virei a peça da espada. Atrás
dela estava meu nome, Aliss Joe, e embaixo o nome de meu pai, Vicente Joe. Eu
nunca o questionei para saber por que eu nunca tive mãe, ou por que ele não
tinha fotos ou nenhuma lembrança dela. Em parte, era por que eu nunca ficava
mais de um dia com ele. Em parte, era por que eu sempre queria aproveitar
nossos momentos da forma mais feliz que podia, sem ter lembranças tristes. E
pelo que eu achava, minha mãe deveria ser uma lembrança ruim. Mas agora, vejo
que fui meio tola hesitando em perguntar. Talvez eu até conseguisse treinar
meus poderes sozinha e jogar fogo na cara de Sandra, para ver se seu rosto melhorava
o que eu achava bem difícil.
Portas me chamaram a
atenção. Elas eram gigantescas, e iam do teto
até o piso, e o teto não era tão baixo assim. Um closet só para mim? Nunca
fui de me arrumar muito, mas seria muito legal se fosse só com roupas para mim,
e que elas fossem do meu tamanho, lógico. Mas quando abri a porta do armário,
quase vomitei arco-íris. Armas. Armas de fogo. Espadas de todos os jeitos.
Todas penduradas na parede. Aproximei-me de uma que era tão reta quanto uma
régua, e tão fina quanto um pequeno floco de gelo. Olhei o nome da faca de caça
que estava embaixo dela. “Espadas das Amazonas”. Mas as Amazonas não eram tipo
um mito? Como aqueles cientistas malucos tinham encontrado aquela arma... Meu
queixo caiu. Bem ao lado tinha uma arma, também grega, com o nome “Marreta do
Minotauro”. Era para eu morrer feliz, mesmo. Muitas armas todas diferentes.
Aquilo era o paraíso. Não encontrei nenhum arco e flecha, como esses filmes de
hoje em dia ficam anunciando como arma muito perigos e tal, muito pelo
contrário, havia granada e dinamites. Tudo de combate, como se o meu closet
fosse a base militar de alguma guerra.
Fiquei admirando a
precisão das facas e lâminas, já me esquecia que deveria voltar para ver
Sandra, e que meu pai deveria estar preocupado com meu sumiço. E se fossem mais
de nove horas. Eu não conseguia ver tudo isso passar tão rápido. Para mim foram
apenas alguns minutos, mesmo que eu ainda não acreditasse que pudesse ter
alguma ligação com essa coisa de Fraternidade, e cientistas em busca de um
mundo melhor. Mesmo assim, eu continuava a checar as armas, como se um dia
pudessem ser precisamente conhecidas para quem as manejasse soubesse tudo o que
fazer com ela. O que eu poderia prever.
Hesitei muitas vezes,
queria pegar em uma. Ou tocar na lâmina, para saber se era ou não tão afiada
quanto parecia. Mas tinha medo daquilo não ser brincadeira ou enfeite. Se
Amanda aparecesse eu surtaria. Não queria confusões.
- Você está se
segurando, não?
Virei-me e a vi, com
os dedos nos cabelos louros. Desembaraçando as madeixas douradas. Ela tinha
olhos castanhos claros, como mel. O que me deixava um pouco irritada, já que eu
sempre quisera ter olhos daquela cor. Amanda sempre foi o exemplo de garota que
eu sempre quis ser. Cabelos louros lisos, mas encaracolados no fim. Olhos cor
de mel. Sem nenhuma sarda no rosto.
- O que? – me fingi
de desentendida.
- As espadas, você
quer pegar. – ela explicou.
Pisquei para ela.
Amanda colocou sobre uma adaga em cima de uma mesa cheia de pergaminhos e
papiros, como se fossem estratégias muito antigas. Pensei que fosse me duelar,
ou que iria falar que eu podia pegar, mas só disse:
- Jantar daqui oito
minutos. E Tio Marley não gosta de atrasos. – falou saindo de dentro do closet.
Não consegui vê-la sair de meu quarto, mas acho que havia saído, pois estava
tudo em silêncio.
Passei a mão por cima
de uma lâmina. O calor que ela emanava era tremendo. Ela era como uma adaga,
mas muito mais fina. A lâmina no começo deveria ter três centímetros, e no fim
menos de um. Do lado da lâmina central, estava mais outras duas lâminas, juntas
no mesmo cabo. Eles formavam uma espécie de Tridente, mas em forma de
faca-adaga. Olhei para o nome lá escrito. “Adaga Feminina Egípcia”. Olhei em
volta. Tudo era de guerra. Procurei por roupas, mas só encontrei armaduras.
Procurei por sapatos, mas só botas para lama. Procurei por livros legais (mesmo
que eu não fosse lê-los), mas só encontrei pergaminhos e papiros com
estratégias e símbolos estranhos.
Olhei para a mesma
parede por onde entrei no quarto. Mas não havia nenhuma porta ou passagem. Só a
parede. Fiquei olhando-a, procurando algum jeito de abri-la. Notei alguns
desenhos. Um cavalo muito grande, que parecia de madeira, era levado para
dentro de portões, homens com o corpo para frente, mas o rosto de perfil
correndo com espadas curvadas nas mãos. Mulheres com peles de leão e rostos de
pássaros com aquelas adagas egípcias femininas. No centro da parede, entre
todos os desenhos, estava o maior e mais brilhante, com curvas douradas e um
tremendo corte negro. Uma águia. Mas não só uma águia. Uma águia voando. Voando
e batendo as asas. E batia mesmo. Como se fosse viva. Pensei que aquilo deveria
ser uma projeção na parede, ou algum neon, mas a figura parecia mesmo ter sido
feita a tinta.
- Como eu abro? –
perguntei a mim mesma.
- Ora, já não era
mais tempo! – uma voz falou dentro do quarto. – Bem,você pode fazer qualquer
coisa! É só querer abrir a porta, e ela vai abrir. O quarto está ligado a você,
ele atende a seus desejos e te dá o que você mais gosta. Claro, sem exageros.
- E você é... ? –
perguntei.
- Layla, sou o
computador chefe. Senhor Marley irá te explicar. Mas sempre que precisar de
ajuda é só me chamar, ok?
- Tudo bem. Se você
quer assim. – concordei.
Estendi a mão. Pensei
em todos os instrumentos de guerra. Um Canhão, era a única coisa que eu não
havia encontrado ali. Um buraco apareceu. Como se a parede não existisse. Não
era muito grande, mas dava para eu passar. Foi meio difícil. Confesso que senti
medo da parede voltar ao normal enquanto eu estivesse passando. Do lado de
fora, Amanda já me esperava, como se soubesse que eu já estava saindo.
- Gostou de Layla? –
perguntou.
- Como sabe que eu...
- Eu sou Protetora da
Água, tenho vários benefícios. – ela piscou – E também você fala meio... Alto.
Sorri para ela, mas
não era um sorriso de bons amigos. Percebi que ela estava usando um vestido
preto, com uma flor azul cristal na cintura. O cabelo estava preso numa trança
lateral e seus lábios estavam em cor de um rosa claro. Mas era só um jantar,
não? Eu não sabia se tinha que me arrumar, ou não. Mas minhas roupas não eram
as melhores. Jeans surrados e camiseta desbotada. Cabelos presos num rabo de
cavalo irregular e sardas por toda a cara. Que cena bonita... Amanda estava linda, admito. Mas eu não sabia
o porquê de tudo aquilo. Mas não perguntei. Acho que ela também notou que não
estava usando a roupa mais adequada para ir ao jantar, então só me observou de
cima a baixo e ficou meio irritada.
- Espero que Tio
Marley não a fulmine pelo visual. – ela concluiu.
- Ele nunca
conseguiria isso. – falei – Eu não me queimo...
Ela mandou língua e
eu tive que rir. Talvez Amanda não fosse tão esnobe assim.
- Bom, eu posso te
afogar, já todo mundo sabe que água vence fogo. E eu sou Protetora da Água...
Retiro o que disse.
Dei de ombros e
esperei ela me levar para o local do jantar, mas ela só ficou parada, como se
esperasse algo. Então estralou os dedos da mão e sua expressão mudou
drasticamente. Penteou os cabelos presos na trança, e ficou meio inquieta.
Estranhei seu olhar que me atravessava e ia para bem atrás de mim. Olhei para
trás. Um menino estava bem em cima de
mim. Levei um susto que me fez dar um pulo para trás. Ele sorriu.
- Cheira a
orquídeas... – comentou.
- Ahn... Eu? –
perguntei.
- Sim. Olá, Aliss
Joe, sou Deni Marley. – ele estendeu a mão.
- Ahn... Aliss Joe,
mas... Você já sabe. – falei meio... Corada?!
O menino era muito
bonito. Eu não sabia o que dizer a ele. Tinha cabelos castanhos, e olhos
verdes. Deveria ter uns quatorze anos. Por ai. E o jeito era de quem gostava
muito de animais, pois cheirava a pelo de animal molhado. E suas roupas estavam
cheias de barro e terra. Dei graças a Deus por não ser a única mal arrumada
para ir ao jantar.
- Pode ir indo. – ele
falou a Amanda – Vou me arrumar.
Amanda assentiu, e
pegou no meu braço. Ela me puxava, mas meu olhos não podiam deixar o menino tão
bonito. Ele era um anjo... Ele deu tchau com a mão e piscou para mim. Ou para
Amanda, mas eu não sabia se ela estava olhando para ele.
- Quer casar comigo?
– falei por puro impulso.
- O que? – Amanda
perguntou quando soltou meu braço.
- N-nada. – respondi.
Amanda sorriu e
colocou o dedo na frente da boca, como se não fosse contar nada a ninguém. Não
havia notado a grandeza da sala onde estava. Era como uma sala de jantar
somente para jantar. Como a Copa de uma mansão. Um ruivo velho estava sentado
na última cadeira da mesa, que deveria ter uns quarenta a sessenta lugares
vagos. Amanda sentou-se no lugar onde estava seu nome, o prato era decorado com
ondas e peixinhos felizes. O copo também tinha os mesmos desenhos, e combinava
com o guardanapo e os talheres que ela usaria.
- Que lindo você usa
o kit do Peixonauta. – sorri.
- Você também. – ela
indicou com o dedo.
Mas o meu kit era bem mais irado. Fogo, muito fogo. Cobre
e bronze. Chamas e todo que é tipo de armas de fogo. Por algum motivo, senti
que sabia o nome de cada uma.
- Bem... Por que eu
tenho esse monte de coisas, como armas, e você não? – aquilo era mais
esnobação, mas Amanda entendeu como uma pergunta. Acho que ela não estava
acostumada com esse ato da minha parte.
- Por que o fogo
simboliza destruição e guerra, e armas fazem parte disso. Como são chamadas,
armas de fogo. – ela respondeu
enquanto colocava um pouco de Pepsi em seu copo.
- Hum. – comentei.
Ela ofereceu a garrafa de Pepsi – Não, obrigada. Vocês não teriam alguma coisa
como... Coca-Cola? – perguntei. Amanda torceu o nariz e me olhou com esnobação.
– Não tomamos coisa ruim nessa casa.
- Tem Coca-Zero,
então?
Ela revirou os olhos
e suspirou como se estivesse cansada da minha teimosia. Mas teria de se
acostumar com isso.
- Você parece Deni! –
comentou consigo mesma – Temos... Tio Marley, poderia nos passar a Coca Diet?
Não, eu não sabia se
ela estava pedindo um refrigerante light ou se estava me xingando em árabe.
Diet? Teria algo a ver com dieta? Pelo que eu saiba, Coca-Cola light são
chamadas de Coca-Cola Zero. Mas Amanda não era pobre, como eu. Então aceitei
seu nome para a Coca-Cola. Bem, eu não iria brigar só por causa de uma garrafa
de Coca-Cola!
Quando já estava
servida, um perfume me fez delirar. Era um cheiro de perfume masculino. O
amadeirado, que eu mais gosto. Um menino com cabelos recém-lavados, olhos
extremamente verdes e um sorriso perfeito se sentou ao meu lado. Ela sorriu
para Amanda, e depois para mim. Confesso que meu coração parou. E depois
começou uma maratona contra meu cérebro, tentando deixá-lo bobo.
- O que temos para o
jantar? – perguntou ele.
- Porco assado. –
respondeu Amanda.
Deni assentiu e
confirmou que estava com muita vontade de comer aquilo. Tio Marley disse que já
poderíamos nos servir, e Amanda tirou a tela de proteção que estava por cima da
carne de porco que cheirava ainda melhor que Deni. Por algum motivo, eu achava
que Deni deveria ser irmão de Amanda.
- Mandy, passe o
molho para mim, por favor? – pediu. Depois de se certificar de que o seu pedaço
de seu porco estava bem molhado em molho, se virou para minha direção – Você e
Amanda devem se dar muito bem!
Quase cuspi em seu prato,
tive um ataque de riso quase sufocante. Ainda bem que Amanda me acompanhou,
porque eu deveria estar parecendo uma idiota rindo com altas gargalhadas. Deni
deve ter percebido que não era bem assim.
- O que te faz pensar
que eu me dou bem com ela, Deni? – Amanda perguntou após rir até deixar os
olhos vermelhos.
- Ah, bem... Vocês
estavam rindo juntas. E você vive conversando com a Layla sobre uma tal de
Aliss que te enche na escola...
Amanda corou e
percebi que ela chutou a perna de Deni por baixo da mesa. Ficamos em silêncio
por algum tempo, o porco estava realmente bom! Eu era a primeira a acabar de
comer. Odiava quando isso acontecia. Até parecia que eu era uma morta de fome,
ou que eu achava que a comida iria correr do meu prato. Mas era meu jeito de
comer. Amanda também terminou, e limpou os cantos da boca com o guardanapo.
Quando tentei usar o meu, só para não parecer que eu não tinha classe, o
guardanapo acendeu de repente e queimou, até em minhas mãos só restar suas
cinzas e o cheiro de papel queimado. Deni soltou um riso, e eu com certeza
deveria estar muito vermelha. Amanda também sorriu, mas estendeu a mão para seu
copo, fazendo o refrigerante dele começar a flutuar e a formar ondas no ar.
Exibida! Acho que ela estava pensando que eu só estava me mostrando para Deni,
o que, em parte, era verdade.
- O que você... –
comecei. Mas um jato de refrigerante me molhou por inteira. De repente Amanda
estava rindo, junto com Deni, e eu estava molhada com refrigerante Pepsi.
Queria matar Amanda
por me fazer pagar aquele papelão na frente de seu irmão super gato. Senti
minha pele borbulhar de raiva, e nem notei que o refrigerante estava
literalmente evaporando. Como se eu estivesse tão quente que fosse capaz de
fazer aquilo. Tenho certeza que meu rosto deveria estar tão vermelho quanto meu
cabelo. Fiz o prato de Amanda começar a pegar fogo. Não, eu não queria fazer
isso, mas eu só pensei em como seria legal ver a cara dela queimada. Ela se
desesperou por alguns segundos, mas logo apagou o fogo com um pouquinho de água
que estava num jarro ao seu lado. Quando as chamas cessaram, pude ver o rosto
dela. Preto, como se tivesse tomado banho em carvão. Foi minha vez de rir, e
Deni foi junto.
- Já entendi a
rivalidade... – ele comentou entre os risos.
- O que foi? – perguntou
Amanda.
O irmão mostrou a
ela, com o prato, que seu rosto estava todo preto. Ela me olhou com raiva e
molhou as mãos, limpando o rosto. Nem percebi como aquele velho ruivo me olhava
com um jeito estranho no fim da mesa.
Bocejei. Estava com
sono. O jantar já havia acabado, e Senhor Marley nos chamara para ir a sala dos
pilares, que deveria ser a sala onde eu fui parar quando entrei naquela casa, e
escorreguei pela privada. Nenhuma luz estava acesa, já que o fogo em meu pilar iluminava
todo o lugar. Percebi que havia muitos mais computadores do que eu havia notado
na primeira vez. E que eles estavam ligados. Com vários números e letras na
tela. O que deixava meus olhos ardendo.
- Bom, como vocês já
sabem, temos um novo recruta. – o cara da cabeleira vermelha falou, e seus
óculos se mexiam enquanto ele falava, o que deixava ele meio engraçado. – Aliss
Joe, Protetora do Fogo. Filha do cientista Adalberto Joe. – ele aplaudiu –
Certamente não puxou o pai...
- Ei! Mas é claro que
eu me pareço com ele! Ele é ruivo e...
Tio Marley olhou para
Amanda, como se perguntasse algo com o olhar para ela. Amanda negou com a
cabeça e ele virou os olhos para mim.
- Aliss, aquele pai foi criado por seu pai
verdadeiro. – explicou Tio Marley.
- Como? – falei quase
que querendo rir na cara dele.
- Seu pai nunca pode
ser presente, já que nunca podia deixar o serviço. Por isso, criou robô Ed para
substituí-lo.
Minha cabeça estava
de ponta pra baixo. Como assim meu pai era um robô? Então como esse tal de Ed
ria e brincava comigo? Dizia que sentia minha falta, e que sempre lembrava de
mim quando estava sozinho. Nunca tive coragem de perguntar para meu pai onde
ele trabalhava. A única coisa que sabia era que ele era vendedor ambulante, ou
seja, ela viajava de cidade em cidade vendendo coisas, mas nunca passou por
minha cabeça que ele seria um cientista renomado. Bem, e por que ele nunca me
disse nada? Por que não me trouxe pra cá em vez de me deixar com Sandra?
- Isso não pode ser
verdade. – afirmei.
- Então me diga
porque seu pai e deixou com a sua madrasta má?
- Bem... Ele se casou
com ela, e por causa do emprego de vendedor...
- Ou, - Amanda
interferiu – ele era um cientista brilhante, que criou uma máquina capaz de ser
controlada a milhares de kilômetros de distância, e não poder deixar o emprego,
por isso se casou com Sandra, a mulher mais interesseira que poderia ter
casado.
- Mas... – falei sem
argumentos, mas Amanda prosseguiu.
- Ele se casou com
Sandra, pois sabia que você iria preferir ficar conosco em vez dela, pois se
fosse uma mãe cuidadosa e protetora, você não conseguiria deixá-la para trás.
- Mas... – balancei a
cabeça, tentando não encaixar isso na minha vida – Como sabem de Sandra? E onde
está meu pai?
- Nós monitoramos sua
vida, desde que eu te encontrei, senti algo ruim em você.
- Obrigado – falei a
Amanda.
- Bom, para mim, você
é ruim. Tem fogo no sangue, e eu sou água, creio que nunca nos daríamos bem.
Mas Tio Marley me falou para não te machucar.
- E Talita? – falei
perguntando o porquê de ela ter quase afogado minha amiga.
- Bem, eu sou uma
mestra em estratégias... – Ela se gabou – Se você não pode relar na água, não
poderia resgatar Talita. Se você não resgatasse Talita, e eu sim, ela não iria
querer que você fosse na casa dela, e assim, você acharia eu como uma
ini-amiga. Já que te odeio, mas salvei Talita. Assim, você não recusaria meu
convite para vir visitar minha casa. E assim, eu te atrairia para a
Fraternidade.
- V-você planejou
tudo isso?
- Bem, eu não sabia
se você iria dizer sim ou não. Então tinha um plano B, se caso o plano A
falhasse.
- Qual plano?
- Te deixar inconsciente
e te carregar até a Fraternidade.
- Pois eu me sinto
feliz de ter aceitado ao convite... – respondi.
Tio Marley revirou os
olhos, do mesmo jeito que Amanda fazia, e estralou os dedos, também do mesmo
jeito que Amanda fazia. Deni parecia não estar na sala, pois estava concentrado
demais pensando em como foi a morte da bezerra. Amanda tentava de algum jeito,
fazer água brotar dentro de um copo. E eu estava esperando aquela estranha
família dizer algo.
- Bem, hora de
dormir! – anunciou Tio Marley.
Em parte, eu estava
feliz por saber que poderia repousar meu cérebro. Mas ainda queria respostas,
do tipo: “Onde está meu pai?” “Onde estão os outros Protetores?” “Eu posso
fazer fogo?”. Mas Tio Marley já havia
decretado aquela ordem, e parecia que todos iam obedecê-la. Não entendo esses
filhos. Os pais dizem que é hora de dormir, eles dormem. Os pais dizem que é
hora de comer, eles comem. Afinal, se os pais disserem que não é hora de
respirar, eles vão morrer sem oxigênio no cérebro? Amanda se aproximou de seu
pilar, e dessa vez só aponto a cabeça para a direita, e a porta se abriu,
deslizando para o mesmo lado. Deni seguiu seu pai. Talvez aquele não fosse o
dormitório de Deni. Uma pena. Aproximei-me de meu pilar. Queria fazer algo bem
original. Então, avancei, como se não houvesse pilar. E não é que eu o
atravessei e fui parar no meu quarto!
Sentei-me em minha
cama. E senti a coberta felpuda em meio aos meus dedos. Não me dei ao trabalho
de trocar de roupa. Somente deitei por cima das cobertas e deixei o sono e a
impaciência tomarem conta de mim. Fazendo-me adormecer cada vez mais.
sábado, 27 de outubro de 2012
Capítulo 1
Capítulo 1
A Piscina Engole Minha Melhor Amiga
Ninguém merece acordar
pela manhã para ir à escola um dia antes de serem as férias de Julho. Não que
as férias fossem ruins, nunca. Mas ir a escola sabendo que no dia seguinte eu
ficaria em casa, só me dava mais vontade de ficar em casa. Mas Sandra nunca me
deixaria ficar na cama. Já havia usado o truque de ficar doente na semana
passada. E que eu estava com cólicas na segunda. Nossa, meu estoque de idéias
acabaram! Não sei como me livro disso. E se eu matar aula... A Diretora me
mata. Sei que vou passar só com um milagre. É a metade do ano, mas eu ainda
preciso de uns 200 de nota para passar de ano. Isso é muito para quem tirou na
prova de 10.0 Uma nota parecida com isso: 1.2. Sim, tirei doze numa prova de cem.
Isso não foi minha pior nota no ano. Mas que se dane eu quero mesmo perder essa
maldita bolsa de estudos que meu pai arranjou, pra voltar pro colégio público.
Odeio isso de ter que usar saia no uniforme e não poder prender os cabelos
porque mostra os ombros. Mas que raios de sensualidade têm nos ombros! E olhe
que as irmãs são até legais... bem, elas são muito legais, mas em comparação às
regras...
Sandra me gritou para
levantar novamente. Não, Sandra não é minha mãe. Ela nem se quer gosta de mim.
E eu não gosto dela. Novidade. Madrasta má, e a pobrezinha aqui. Bom, não que
eu ligue muito por quem meu pai se apaixona, mas fala sério! Tinha que ser
justamente a Sandra! Mas tudo bem. Estas férias eu vou passar na casa da
Talita. Isso já muda minha vida. E muito. Meu pai é um homem trabalhador e
sempre trás todas as semanas o dinheiro para que Sandra compre nossos alimentos
e o que precisamos. Mas ela prefere comprar roupas e sapatos para ela, e diz
que eu como no colégio. Muito engraçado, pois no meu colégio nada é de graça. Às
vezes eu penso que aquele colégio é como um assalto. A mensalidade é muito
grande, e tudo que você vai fazer de legal (Comer, ir para passeios na Chácara,
ou qualquer outro lugar).
Sem contar que a
condução também é paga. Meu pai paga para que eu não tenha de ir ao Colégio de
ônibus. O que é muito perigoso. Principalmente quando o colégio é bem no centro
de Brasília. Temos que usar saia, como já mencionei, e os ombros também não
podem aparecer. O tênis tem que ser preto e não se podem usar saias que são
menores que a altura dos joelhos. O nome do Colégio é Centro Católico Para
Meninas de Brasília (ou CCC). Eu sei, um nome muito original. Mas ele faz
sucesso. É considerado o melhor colégio de Brasília. O CCC é o colégio em que
meu pai sempre sonhou em me por. E é o colégio em que eu menos quero estudar.
Sabe, peruas e patricinhas estudam aqui. Mas não as patricinhas comuns. Filhas
de empresários muito famosos. Sobrinhas do Prefeito... Só gente muito rica.
Coisa que eu nem de longe sou. Mas, para eu não me sentir tão excluída assim,
também têm uma garota lá que não é de alta classe, como eu. Talita Gregore. Ela
é meio que... A filha do zelador. Não, ela é totalmente a filha do zelador.
Sim, todo mundo não gosta do pai dela. Bom, nem eu. Ele é meio chato e alem
disso, é o único funcionário homem do colégio. Mas eu tento ser legal com ele.
Talita também nem sempre tem o que comer em casa. Mas ela tem um pai e uma mãe
que a amam muito. Uma coisa que eu não tenho. Talita é meio gordinha. O que não
a deixa feia. Mas acho que as meninas da sala não gostam disso. Mas tudo bem,
eu não preciso ligar para o que elas acham. Como Talita disse para eu fazer.
Mas é difícil. Principalmente por que eu sou a única amiga dela. E isso gera
fofocas a meu respeito, também.
Levantei da cama e
consegui me arrastar até o banheiro do corredor. O cheiro do pão recém-assado
invadia a casa toda. Será que Sandra acordou de bom humor hoje e lembrou de
comprar alguma coisa para eu comer: Acho que isso deve ser alguma coisa que ela
quer conseguir e que eu ou a única que pode dar a ela. Se for isso, é uma
chantagem que eu posso usar contra ela.
Olhei para o espelho.
Uma menina de cabelos ruivos no estilo daquela princesa do filme “Valente”.
Olhos cansados e sonolentamente azuis. Um nariz um tanto arrebitado, que não
combinava com suas treze sardas em volta dele. Eu odeio minhas sardas. Mas
também odeio maquiagem, por isso não posso escondê-las usando pó branco. Tirei
uma remela de meu olho e bocejei. A tortura. Molhei meu rosto. A água mais fria
que eu já havia tocado. Parecia que minha pele estava sendo cortada por
lâminas. Passei sabonete no rosto. O cheiro me enjoava, mas era o que tínhamos.
Molhei novamente o rosto. A coisa que eu mais odeio na vida é a água. Pode
estar fria ou morna. Até mesmo pelando. Mas eu odeio água. Mas isso não é
motivo para eu não tomar banho! Eu sou muito limpinha, obrigada. Sai do
banheiro e fui comer o pão que cheirava tão bem. Comi com gosto. Não havia
jantado na noite passada, por isso estava morrendo de fome agora. Não havia
manteiga ou requeijão, ou qualquer outra frescura. Era somente o pão, puro. Mas
para quem nunca tem o que comer de manhã, ou é a primeira vez no ano que come
pão que não está duro, está muito bom. Na verdade, está ótimo. Acho que Sandra
estava feliz hoje pois eu ia para a casa da Talita depois da aula, e só
voltaria para casa depois das férias.
- Já fez suas malas?
- perguntou.
- Fiz ontem à noite.
– falei com a boca cheia de pão.
- Hum. – resmungou
como se não quisesse saber quando eu
havia arrumado, somente se havia arrumado.
Não havia mais nada
para tomar, a não ser a água da torneira. Mas tinha sempre um gosto meio
estranho, por isso eu só tomava água na escola. Limpei as migalhas que ficaram
presas na minha boca e corri para o quarto. Eram 6:43, com quarenta e três
minutos passam correndo! Tirei minha camisola e coloquei a saia do colégio, que
era azul marinha e com a insígnia do colégio. A camiseta era branca com um
detalhe amarelo e a insígnia o colégio. Não precisava colar o sutiã, pois havia
dormido com ele, para ganhar tempo. Comece a pentear os cabelos com a escova. E
logo meu cabelo armado num caminho de ratos estava tão reto quanto um daqueles
soldados da Inglaterra. Amarrei os cabelos num rabo-de-cavalo não muito alto. E
peguei minha mochila. Estava mais pesada do que todo o meu material junto. E
olhe que eu carrego muito material. Minhas roupas de verão estavam dentro da
mochila, então tive que me acostumar com o peso a mais nas costas. Quando sai
do prédio das kit nets, notei que havia cometido um enorme erro saindo de casa
sem a jaqueta de couro que havia ganhado de Talita. Ela era muito quentinha, e
estava muito frio hoje.
Fiquei sentada no
ponto de ônibus até minha condução chegar. Era uma van toda cromada, com as
rodas grandes e sempre limpas. A propaganda do colégio e vidros com sufilme
mais escuro que carvão. Quando a porta se abriu, senti o quentinho que estava
lá dentro. Sentei-me na poltrona ao lado de Talita. As outras poucas meninas
que iam com a condução do colégio estavam sempre na parte de trás do veículo.
Quem o dirigia era sempre o pai de Talita. A mochila de minha amiga estava
ainda maior que a minha. Talvez por que havia algum trabalho para fazer que eu
não houvesse lembrado de fazer. Ela estava segurando um pacote de Cheetos e as
pontas dos seus dedos estavam laranja.
- Quer um pouco? -
ela ofereceu.
- Não, eu comi em
casa.
- Ah, hoje a sua
madrasta comprou comida? - ela perguntou.
Encolhi-me na
poltrona. Aquilo não era assunto para as outras meninas ficarem conversando por
ai. Principalmente aquelas meninas. Às
vezes Talita ignorava tanto essa coisa de ser pobre que não prestava atenção
quando dizia alguma dessas coisas em voz alta. Acho que ela ainda não sabia que
eu me importava com isso.
- Fale mais baixo...
– pedi.
Talita deu de ombros
e continuou a comer seus salgadinhos. Sua boca estava cor de laranja, e tinha
farelo até mesmo nos fios de seus cabelos cacheados e castanhos-chocolates. E
sua pele morena estava coberta de migalhas. O agasalho de lã também não foi
deixado de lado, e a cor amarelada já estava ficando alaranjada. Parecia que
alguém havia dado um banho de Cheetos em Talita. Mas quase sempre ela trazia
algum salgadinho para a escola. E sempre ela se sujava. Seu pai não sabia que
ela trazia tantos salgadinhos assim para a escola. Mas eu não contava a ele.
Assim ela não contava para as professoras que eu colava nas provas delas.
O trajeto foi tranqüilo.
Acho que era mais por causa de hoje ser um feriado nas outras escola público,
um feriado que já emenda nas férias. Muito pelo contrário da minha, que não
deixa a gente faltar as aulas, mesmo que seja o feriado de Dia Das Crianças.
Bom, esse tudo bem, por que também é o Dia da Aparecida. Mas eu não sou de uma
família tão religiosa assim. A van logo chegou ao estacionamento do colégio. O
barulho do cascalho embaixo das rodas já nos anunciava isso.
- Acho melhor você
soltar o cabelo. – falou o pai de Talita quando abriu a porta para as meninas saírem
de dentro da van.
Não discuti com ele.
Eu sabia que ele me entregaria para a Orientadora quando eu virasse as costas.
Então soltei o cabelo do rabo-de-cavalo. Eu odiava o jeito que meu cabelo ruivo
era lisíssimo. Até invejava um pouco o cabelo crespo de Talita. Mas ela me dizia
que eu tinha muita sorte de ter meu cabelo tão liso assim. Eu não pensava
assim. Mas também não sabia como era ter que cuidar de um cabelo crespo, então
não fiquei questionando-a.
Desci da van. O Sol
ofuscou um pouco minha visão, mas logo me acostumei ao cenário. Não estava tão
frio assim, como estava antes. O Sol já brilhava e o sinal bateu logo. Às
vezes, em dia de pico no centro da cidade, chegávamos atrasadas na escola. Mas
hoje foi tudo tranqüilo. Porque metade de Brasília estava em suas casas dormindo,
enquanto eu e mais umas duzentas meninas iam para a escola.
Talita me puxou em
direção a sala de aula. Era revisão para a prova de Inglês, que seria depois de
duas aulas. Mas a professora sempre revisava para quem estivesse em duvida.
Bom, eu estava com duvidas em toda a matéria. Bom, eu não sabia por que tinha que
saber sobre a história dos Estados Unidos. Muito menos, por que eu nem iria
usar isso na minha vida. Bem, só se eu fosse fazer intercâmbio lá, o que não
era uma opção descartada. Desde que eu tinha ns dez anos, sempre quis ir para
Nova York, Manhattan, e essas cidades assim. Nova Jersey... Bom, voltando ao
assunto de que eu não sabia nada sobre a matéria da prova. Talita estava atenta
ao que a professora dizia. Ela gostava sempre de responder às perguntas das
professoras. E isso a tornava uma espécie de Nerd-Não-Nerd. Sei que você está
se perguntando se isso existe. Mas se você conhece alguém que sabe tudo sobre a
matéria e que estudou para a prova, mas não tira as melhores notas, então você
conhece alguém Nerd-Não-Nerd.
- O período em que os
Ingleses estavam de olho na América, descoberta pelos espanhóis, gerou
conflitos entre os mares, causando as viagens clandestinas... – Aquilo parecia
mais uma aula de História!
Fiquei arrancando a
tampa da caneta o tempo todo. Atenta para escrever algo em que a professora dissesse:
“Vai cair na prova”. Pelo menos nessa prova eu não havia bolado nenhum método
para colar. As outras meninas estavam enrolando do jeito que podiam. O tempo passava
devagar enquanto eu tentava pegar algumas coisas para decorar na hora da prova.
O relógio apontava oito horas quando o sinal bateu. As outras duas aulas foram
somente para conversar, já que não teria nenhuma matéria. Talita não parava de
falar em como havia programado tudo o que iríamos fazer durante as férias. Em
como iríamos acampar, em como iríamos ver o filme Amanhecer Parte 2 nos
cinemas... Eu não ligava muito para isso. Por mim, um bom passatempo era ficar
assistindo filmes da Sessão da Tarde. Que quase sempre se baseavam em A Lagoa
Azul, ou A Volta da Lagoa Azul. Então, eu basicamente sabia tudo o que fazer
quando me perdesse em alto mar ou caísse de um navio.
Fiquei pensando que
eu não iria ver meu pai nos fins de semana. O que seria muito ruim, pois meu
pai só aparecia em casa aos finais de semana, para ficar comigo os dois dias
inteiros. O que era muito legal. Eu chamava de “Dias Legais Com o Papai e Sem a
Sandra”. Nós geralmente íamos ao Shopping. Embora, geralmente, nunca
comprávamos nada, pois nossa condição financeira não era boa para essas coisas.
Nem percebi o tempo passar
tão rápido. Será que é assim mesmo: Quando precisamos que o tempo passe rápido,
ele fica lento. Quando estamos nos divertindo ou fazendo algo interessante, ele
passa voando. O recreio começou. Mas meus pensamentos ainda estavam na última
vez em que eu e meu pai havíamos saído para passar um dia no Shopping. Nós
tomamos sorvete e conversamos muito. Quando Talita me tirou de meus
pensamentos. Ela puxava meu braço freneticamente, falando que não queria perder
a fila para a Cantina. Falei que ela poderia ir para o Refeitório sem mim, e se
sentar no pé da árvore em que nós sempre nos sentávamos. Eu sabia que ela só
iria falar sobre as nossas férias. E eu mal sabia que nem precisaria ir a essa
tal expedição até a casa de Talita.
Fui para o banheiro.
Ele era sempre limpo. E como só havia meninas no colégio, só havia um banheiro
também. Ele tinha azulejos rosa bebê e branco creme. O piso era parecido com
mármore, mas era só uma imitação. As torneiras eram sempre brilhantes, e o
espelho nunca estava embaçado. Mas hoje o banheiro não estava normal. Eu sentia
uma umidade diferente no ar. Um cheiro de água salgada... e a voz que eu mais
odiava no mundo.
- Haha, estou indo
muito bem, minhas notas estão muito altas... – era Amanda.
Ai, com eu odiava
aquela voz! Amanda Sant’Anna é a menina CDF da sala. E ela não tem amigos. Mas
ela não tem amigos, não por que ela não é sociável, e sim por que ela é uma
chata metida que esfrega na sua cara que é melhor que você em tudo. Bom, como
sempre dizem. Quando você vê que é bom em alguma coisa, chega um japonês.
Amanda é mestiça. Tem os cabelos escorridos como os meus, e os olhos escuros
como a noite. Parecia que ela estava dando descarga. Mas ela falava como se
tivesse mais alguém dentro do banheiro com ela. Escondi-me no banheiro ao lado.
Ela falou mais algumas coisas que eu não entendi como “Protetor” e “Acho que
não é ela”. Quando saiu do banheiro, não parou para lavar as mãos. Esperei
alguns segundos para sair de trás da porta do meu banheiro. O banheiro estava
quieto. Decidi ignorar isso. Talvez ela só estivesse falando com seu ou pai ou
sua mãe ao celular.
Talita já me esperava
impacientemente ao lado da árvore onde sempre lanchávamos. Ela havia comprado
um salgado assado. O que era quase uma rotina. Por ser filha de um funcionário
do colégio, ela podia anotar o nome junto com o que havia pegado, em vez de
pagar direto. No fim do mês seu pai pagava sua conta. O que era bem grande. Uma
vez Talita gastou 80,00 só em lanches e refrigerantes. Não sei por que, mas
hoje ela não havia comprado refrigerante, o que era um milagre.
- Quer um pouco? - Talita ofereceu. Mas decidi
rejeitar.
Não havia muito que
falar. Até pensei em contar a ela sobre o que eu havia visto e ouvido no
banheiro, mas Talita me chamaria de louca. Ela é uma das únicas garotas que não
acha Amanda Sant’Anna uma bruxa. O que é bem estranho.
Começamos a andar por
ai. E decidimos ir para o berçário, ver os bebês fofinhos. Não queria pensa na
prova, e nem nas férias sem meu pai. Muito menos em como teria de agüentar
Talita falando sobre como seria legal todas as nossas férias juntas. Às vezes,
aquela gordinha era chata. Mas os bebês estavam lindos como sempre, pelo menos.
Perto deles, havia um parquinho, somente do berçário. E nele, uma piscina. Não
entendo como bebês fofos e pequenos tem uma piscina, e nós não. Pelo menos
podíamos passear por perto dela. Para variar. Talita começou a tagarelar em
como seria muito legal a primeira noite em que eu posaria na casa dela. Já
estava cansando. Quando avisto minha salvação. Amanda Sant’Anna.
Amanda estava andando
pela beirada da piscina, também. E parecia tão pensativa que nem havia prestado
atenção em nós. Não sei se Amanda tinha alguma irmãzinha bebê no colégio, ou se
simplesmente também gostava de passear por lá, mas estava perto do berçário, o
que me deixava preocupada em relação à saúde dos bebês. Fingi também não estar
notando-a. e nos esbarramos “sem querer”. Ela me lançou um olhar de desacordo e
já ia me agredir verbalmente.
- Olhe por onde anda!
Eu quase caio na água! – reclamou.
- Assim como quase
caiu na patente? - perguntei, deixando Talita calada.
- Como é que é? -
Amanda não entendeu as minhas claras palavras.
- Você-Não-Conseguiu-Se-Afogar-No-Sanitário?
- Falei separadamente para ver se ela entendia a minha língua, ou se só falava
cobranês mesmo.
- Ahn...- ela se
engasgou sem sua própria língua. – é... Bem...
- Você estava fazendo
o que? - perguntei.
Uma expressão de
alívio passou pelo seu rosto, mas logo se foi. E sua expressão de soberania
voltou. Eu odiava aquela expressão. Era meio que inveja, nojo e desprezo, tudo
junto. Ela era bonita, sim, mas ainda era chata. Bom, agia como uma, pelo
menos.
- Vamos, Aliss. –
chamou Talita.
- Não, Tata, eu ainda
quero saber, o que Amanda Sant’Anna estava fazendo falando sozinha no banheiro.
Amanda me discriminou
com os olhos. Sabia que ia começar a discutir que não havia ido ao banheiro
hoje, e que Talita deveria andar com boas companhias em vez de andar com uma
débil mental, como eu. Bom, eu sabia ignorar aquela cobra, mas algo no fundo de
mim me dizia que eu deveria saber o que tanto Amanda escondia. Não que eu
soubesse que Amanda escondia algum segredo. Mas ela era estranha. E isso já me
fazia ficar com medo dela. Algo que raramente costumo achar das pessoas.
- Talita, por que
você não leva sua amiguinha com você agora? - Amanda falou sorrindo falsamente.
- Claro. – concordou
Talita. – Vamos, Aliss!
- Não! – me virei
para Talita. – Você pode parar de bancar a “mamãe”, por favor:
Talita fechou o
rosto. Mas eu não havia dito nada de errado! Mas ela virou as costas para mim e
se pôs a andar. Claro, algo de muito estranho tinha que acontecer. A água saiu
de dentro da piscina, fazendo um tubo, daqueles que os surfistas costumam
surfar. Aquilo foi rápido, mas eu vi a mão de Amanda na direção de Talita. Tudo
que eu precisava confirmar fora confirmado naquela hora. Amanda era sim uma
bruxa. Uma bruxa muito má.
Minha amiga estava
dentro d’água, e eu não podia fazer nada. Eu odiava a água. Não podia pular
naquela piscina para trazê-la de volta para a margem da piscina. Talita estava
a se afogar, e eu fiquei sem saber o que fazer. Até eu ver a cena mais estranha
do mundo. Amanda pulando na piscina para buscar Talita. As duas chegaram a margem,
encharcadas. Talita agradeceu muito a Amanda. E quando me viu, só pode sair sem
nem dizer uma palavra. Espere, eu sou amiga de Talita! Mas sou eu que tenho que
salvá-la! Não Amanda! Aquilo estava muito estranho. Primeiro Amanda faz a
piscina sugar Talita, e de repente ela estava
salvando-a. Agora que Talita não acredita em mim que Amanda é doida. E
isso me deixa um tanto chateada. Se eu conhecia bem aquela Talita, ela nunca
mais me perdoaria. E era tudo culpa de Amanda. Como sempre.
- O que você fez? –
gritei para Amanda.
Ela deu de ombros e
colocou uma mecha do cabelo louro para o lado.
- Eu ajudei a Talita.
O que os amigos fazem. – ela respondeu querendo provocar.
- E-eu não podia
entrar na água. – me defendi.
- E por que não? –
perguntou Amanda.
Aquela garota já
estava me irritando. Queria lançar uma bola de fogo na cara dela! Mas como esse
é o começo, eu ainda não sabia sobre mim. Por isso, eu não podia fazer isso.
Mas... Quando eu descobrir quem eu realmente sou... Aguardem-me.
- Eu vi você manipulando
a água. – falei. Por um momento ela empalideceu. Mas depois, assumiu a mesma
expressão de sempre.
- No meu apartamento,
as 15:00 horas. – falou.
E deu as costas, já
partindo.
- Onde é seu
apartamento? – gritei, de volta.
- É só olhar na sua
agenda. – ela respondeu começando a correr.
A prova de Inglês
estava muito fácil. Bom, pelo menos essa. As questões eram apenas para
assinalar, o que dizia que ou eu chutava certo, ou errava por “acidente”.
Então, resolvi fazer tudo certinho. Não que eu não faça algo certo. Mas pelo
menos nessa prova. Talita nem Amanda
estavam lá para fazer a prova. As duas foram para a Diretoria, pois
estavam com as roupas molhadas. Até que ir salvar Talita não seria ruim, pois
eu iria faltar a prova, e poderia fazer depois. Com a autorização da Diretora.
A aula passou voando, por isso o sinal bateu rapidamente. Sabe aquele momento
no High School Music, onde todos estavam falando “Férias! Férias! Férias”,
então, nós repetimos na sala de aula. Jogamos papeis para tudo que é lado e
começamos a gritar. Não, a professora não nos impediu. Ficou foi rindo da nossa
felicidade.
Procurei por Talita,
mas ela não estava mais no colégio. Nem sei pai. Não acredito, ela foi capaz de
me deixar no colégio? Como eu vou pra casa dela, agora? Minha condução estava
quase saindo, quando me lembrei do que Amanda disse. “Na sua agenda”. Peguei
minha agenda de dentro de minha bolsa. Lá, bem na letra A, estava o nome Amanda
Sant’Anna, escrito estranhamente com uma cor de caneta azul clara, que parecia
a cor do mar. O número do telefone móvel e o nome da rua. O estranho, era que
só havia o nome da rua. Nenhum número ou bairro. Ela deveria morar num
condomínio, para não dar o número da casa. E bem em baixo, sua marca
registrada. O Splash. Era somente uma onomatopéia “Splash”, com uma ondinha ao
lado. Mas era como sua marca para saber se realmente fora ela que escreveu.
Entrei na van. Fiquei
somente olhando para o endereço. Rua da Casa do Protetor. Nunca havia ouvido
falar naquela rua. Nem queria saber o que ela fazia. Mas que tinha algo
estranho nela, havia. As meninas do fundo da van fofocavam e tagarelavam coisas
sobre uma novela. Não queria nem saber. Em casa, não tínhamos TV, então eu
nunca sabia de nada que estivesse na atualidade. O que era, as vezes, chato e
constrangedor.
Nem percebi a van
parando em frente as kit-nets da Rua 81. Desci, arrastando a mochila do banco e
segurando a agenda de mau jeito. Sim, Sandra quase me expulsou de casa quando
cheguei. Mas o que me deixou surpresa, não foi sua atitude, e sim, quem estava
na kit net com ela. Um homem barbudo, com uma camiseta cor de vinho, e uma
calça jeans azul escura. Ele estava sentado no sofá, e o batom da boca de
Sandra estava todo borrado. O que não era boa notícia. Entrei arrombando a
porta entreaberta. Meu pai não estava lá. Ignorei o estranho no sofá e entrei
no meu quarto. Derrubei-me na cama, e bufei. Agora teria de agüentar Sandra
vinte e quatro horas por dia. Ainda não acreditava que Talita havia mesmo feito
aquilo comigo. Só porque eu não havia pulado na água para ir buscá-la? Que
depressão!
Fiquei de minuto em
minuto esperado dar quinze horas. Parecia uma eternidade. Sandra bateu na minha
porta, dizendo que o jantar estava pronto. Mas eu preferiria comer na casa de
Amanda. Mesmo que eu tivesse certeza que Amanda teria envenenado a comida. Mas,
quando finalmente quinze horas chegou, sai de meu quarto. E quase sai de casa
sem tirar o uniforme. Coloquei uma roupa de verão, quando voltei novamente para
dentro de meu quarto. O homem estranho na sala havia ido embora. Mas isso ainda
não queria dizer que eu ficaria de bico fechado. Com certeza não. Peguei minha
mochila, coloquei absorventes e alguns amarradores, vai que eu precisaria
amarrar o cabelo. E também coloquei uma bola de futebol e uma passagem de
ônibus. Eu não sabia onde era a Rua dos Protetores, nem muito menos o ônibus
que deveria pegar, mas iria perguntar no terminal do ônibus, para alguma
mocinha que fica te perguntando “Posso ajudar?”. Será a primeira vez que eu
digo “sim”.
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